Síndrome de Savant
O que é Síndrome de Savant?
A Síndrome de Savant é um distúrbio psíquico raro que faz com que algumas pessoas tenham habilidades intelectuais extraordinárias, conhecidas também como “ilhas de genialidade” e “prodígios”. Esses talentos estão sempre ligados a uma memória acima da média, porém com pouca compreensão do que está sendo descrito.
Já pensou como seria conseguir fazer qualquer tipo de conta sem precisar de uma calculadora ou tocar uma canção no piano tendo escutado ela uma única vez? Embora isso pareça improvável, essas são habilidades muito comuns em pessoas com Síndrome de Savant.
Uma em cada dez pessoas dentro do espectro autista tem tais habilidades notáveis em graus variados, embora a Síndrome de Savant possa ocorrer em outras síndromes do desenvolvimento ou outras situações.
Desta forma, a síndrome é diagnosticada com mais frequência em crianças, porém o savantismo também pode ser “adquirido” na idade adulta após traumas cerebrais, meningite, ataques de epilepsia ou devido a um derrame cerebral.
Além disso, a condição geralmente afeta de quatro a seis vezes mais os homens.
História da Síndrome de Savant
Savant é uma palavra de origem francesa que significa “sábio” – daí a síndrome do sábio, pela qual também é conhecida).
Embora a Síndrome de Savant seja pouco conhecida, segundo o neurocirurgião Júlio Pereira ela já é citada na literatura científica desde meados do século 18, quando o psiquiatra Benjamim Rush descreveu a incrível habilidade de Thomas Fuller para lidar com números.
No entanto, em 1887, o médico John Langdon Down (conhecido até então por ter identificado a síndrome de Down) descobriu 10 pessoas com a Síndrome de Savant.
Neste grupo, estava, inclusive, um garoto que memorizou o livro “O Declínio e Queda do Império Romano” e conseguia recitá-lo de trás para frente. John manteve contato com esses pacientes por mais de 30 anos, enquanto pesquisava sobre esse tipo de condição.
Para descrever a síndrome, John Down usou o termo “idiot savant” (idiota-prodígio). De acordo com a psiquiatra da infância e adolescência Mirian Reveres, naquele tempo, “idiota” era um termo científico usado para denominar pessoas com QI abaixo de 25. Em 1988, por causa do cunho pejorativo do termo, foi proposta a nova nomenclatura Síndrome de Savant.
Alto QI
Atualmente, sabe-se que pessoas com Síndrome de Savant têm, geralmente, QI (Quociente de inteligência) entre 40 e 70 – embora possa ser encontrada em outras com QIs de até 114.
Síndrome de Savant X Transtorno do Espectro Autista
Muitas pessoas acabam confundindo a Síndrome de Savant com a Síndrome de Asperger, porém existem inúmeras razões para diferenciá-las.
Primeiramente é importante relembrar que o diagnóstico de Síndrome de Asperger foi incluído no Transtorno do Espectro Autista (TEA), já que eles compartilham da mesma fisiopatologia. Portanto, Asperger é um termo que está em desuso.
De acordo com Mirian Revers, uma pessoa com o diagnóstico de TEA pode também ter o diagnóstico de Savant, mas não necessariamente: cerca de 50% dos casos da Síndrome de Savant são associados ao TEA e os outros 50% com outros transtornos.
E cerca de 10% dos indivíduos com TEA também manifestam a Síndrome de Savant.
A diferença entre as condições é que muitos indivíduos com TEA têm interesses restritos em determinados assuntos, e por estudarem e focarem a atenção nisso acabam dominam o conteúdo.
Já os savants possuem uma habilidade inata, ou seja, não precisam estudar para dominar certo tema.
“Um músico autista pode, por exemplo, ter grande interesse em Mozart e saber tocar todas as peças, explicando como foram criadas, como devem ser tocadas etc. Enquanto um músico Savant, mesmo sem ter estudado, consegue tocar uma sinfonia após escutá-la uma única vez”, indica a psiquiatra infantil.
Causas
Desde a descoberta da Síndrome de Savant, os avanços das técnicas de imagem cerebral, como a ressonância magnética, permitiram aos pesquisadores uma visão mais detalhada da condição.
No entanto, não existe nenhuma teoria exata de como o savantismo pode acontecer.
Segundo Mirian Revers, acredita-se que a disfunção de determinadas regiões cerebrais provoque uma resposta paradoxal com a super ativação e potencialização de outras áreas do cérebro. Esse processo é chamado de “facilitação funcional paradoxal” e foi descrito por Kapur, em 1996.
Desta maneira, após haver um dano cerebral em determinada região, geralmente no hemisfério esquerdo, há ativação de outra região cerebral, com reconfiguração da circuitaria neural e o aparecimento de capacidades até então adormecidas.
Isso ocorre por um processo de desinibição de habilidades previamente armazenadas na nova região recrutada.
De acordo com um estudo realizado em 1978 por Bernard Rimland, do Autism Research Institute (Instituto de Pesquisa do Autismo), na Califórnia, as habilidades presentes em pacientes com Síndrome de Savant estão mais associadas às funções do hemisfério direito (que incluem aptidões para música, arte, matemática, formas de cálculos, entre outras).
Por sua vez, as habilidades mais deficientes são as relacionadas com as funções do hemisfério esquerdo (linguagem e especialização da fala).
Sintomas de Síndrome de Savant
Como abordado anteriormente, a principal característica da Síndrome de Savant é a capacidade extraordinária em determinadas áreas, como:
- Arte
- Música
- Cálculo de calendário
- Matemática
- Habilidades mecânicas/visuoespaciais
Outras habilidades não tão frequentes são:
- Linguagem (poliglotia)
- Discriminação sensorial
- Atletismo
- Conhecimento em áreas específicas, como neurofisiologia, estatística, programação de computadores
“Os sintomas ocorrem em um espectro, podendo variar de pequenas e restritas habilidades de memorização ou cálculo, passando por indivíduos que manifestam uma habilidade maior que outras pessoas da área, até os ditos prodígios, que além de apresentar a habilidade, consegue utilizá-la de forma genial”, revela Mirian Revers.
Buscando ajuda médica
De acordo com Júlio Pereira, como na maioria dos casos a Síndrome de Savant está relacionada a outras doenças psíquicas. Assim, geralmente o diagnóstico ocorre durante o acompanhamento com o especialista.
No entanto, os familiares ou o médico podem chegar a essa conclusão quando estimulam a criança e notam uma habilidade fora do comum em determinadas.
Na consulta médica
Especialistas que podem diagnosticar são:
- Psiquiatra
- Neurologista
- Neurocirurgião
- Pediatra
Como as consultas costumam ser breves e há muitas informações e perguntas para cobrir, é uma boa ideia estar bem preparado. Aqui estão algumas informações para ajudar no diagnóstico mais rápido:
- Anote quaisquer sintomas que você ou seu filho esteja enfrentando, inclusive os que podem parecer sem relação com o motivo pelo qual você agendou a consulta
- Anote as informações pessoais importantes, incluindo quaisquer tensões principais ou mudanças de vida recentes
- Faça uma lista de todos os medicamentos, vitaminas ou suplementos que você ou seu filho estão tomando
- Leve um membro da família ou amigo junto. Às vezes pode ser difícil lembrar todas as informações fornecidas durante a consulta. Alguém que acompanha você pode se lembrar de algo que você perdeu ou esqueceu.
Não hesite em fazer outras perguntas caso elas ocorram no momento da consulta.
O que esperar do médico?
Médicos costumam fazer várias perguntas. É importante estar preparado para respondê-las. Confira alguns exemplos de questões que poderão ser levantadas por um especialista:
- Quais comportamentos em específico levaram você a procurar ajuda médica para seu filho?
- Quando os primeiros sintomas começaram?
- Esses comportamentos atípicos são frequentes ou ocasionais?
- Quais são os hábitos favoritos de seu filho?
- Seu filho interage com familiares e outras crianças?
- Sua família tem histórico de autismo ou algum outro transtorno cerebral?
Diagnóstico de Síndrome de Savant
O diagnóstico da Síndrome de Savant é clínico, ou seja, o médico avalia o histórico clínico do paciente, com auxílio de avaliação neuropsicológica.
O objetivo é identificar e valorizar as áreas de destreza e utilizar as facilidades para minimizar a falta de habilidades em outras áreas.
Depois disso, o especialista irá entender se será necessário algum diagnóstico diferencial que tenha indicação de tratamento específico. Uma lesão por AVC ou tumor, por exemplo, exigem terapias rápidas e bem direcionadas para cada caso.
Tratamento de Síndrome de Savant
Não existe nenhum tratamento específico para a Síndrome de Savant. Como essa condição está associada a outros déficits relacionados a socialização e solução de problemas, por exemplo, se pode adotar a terapia para minimizar essas dificuldades e aumentar outras habilidades.
“Deve ser instituída de forma individualizada, considerando os pontos fortes e fracos do indivíduo, com um plano de trabalho e objetivos a serem cumpridos a curto, médio e longo prazo”, diz a psiquiatria Mirian Revers.
Síndrome de Savant tem cura?
A Síndrome de Savant não possui cura. No entanto, Júlio Pereira afirma que com a orientação adequada do especialista é possível ajudar o paciente na socialização e no incentivo de outras tarefas diárias.
Convivendo/ Prognóstico
Casos famosos de Síndrome de Savant
Os casos mais conhecidos de savantismo são:
1. Kim Peek (1951-2009): embora não conseguisse realizar ações simples como abotoar a camisa, o estadunidense ficou conhecido por decorar mais de 12 mil livros na íntegra. Sua história inspirou o filme “Rain Man” (1988).
2. Stephen Wiltshire (1974): nascido com autismo, o arquiteto britânico consegue desenhar com maestria paisagens e locais que viu uma única vez. Assista aqui!
3. Temple Grandin (1947): nascida com autismo, a norte-americana conquistou um bacharelado em psicologia, um mestrado em zoologia e um PhD na mesma área. Suas pesquisas e invenções melhoraram o tratamento de animais em fazendas e abatedouros.
4. Jacob Barnett (1998): com Transtorno do Espectro Autista (TEA), Jacob, também dos Estados Unidos, é o menino mais jovem a entrar na faculdade para estudar Física da matéria condensada. Ele tem um QI maior que o de Albert Einstein!
Além disso, a série “The Good Doctor”, criada por David Shore, conta a história de um residente de cirurgia, Shaun Murphy, que é autista e apresenta Síndrome de Savant. O savantismo ajuda ele em diversos momentos de sua profissão.
Complicações possíveis
Como você deve ter lido nos últimos parágrafos, indivíduos com Síndrome de Savant manifestam dificuldades em diversas outras áreas que não aquelas em que apresentam extremo talento. Não por causa da Síndrome em si, mas pelos outros diagnósticos associados.
Desta forma, Mirian Revers afirma que o paciente com a condição pode ficar muito focado em suas habilidades específicas e diminuir o interesse em atividades básicas, mas essenciais da vida diária, como por ir de um lugar para outro, fazer e manter amizades, organizar a vida doméstica, entre outras.